sábado, 24 de setembro de 2016

Limitações, Alcances e Novos Desafios:
Natureza e Avanços do Estudo Científico das Religiões[1]



Os oráculos secularistas que previam o desaparecimento das religiões não se cumpriram. Antes pelo contrário, a religião nunca encontrou tanto lugar nas sociedades humanas como no século XXI. O fato é que a religião não foi diluída pelo amadurecimento racional dos homens, antes, por esse e outros motivos, ela se transformou,se desenvolveu,mudou, se adequando, assim, ao novo mundo e às novas realidades da existência humana. 

Como se constatou, a religião nunca esteve ausente da presença humana, o mundo nunca vivenciou uma experiência de “desencantamento”. Ao mesmo tempo que essas descobertas surpreenderam os secularistas, também voltaram a atenção de estudiosos e especialistas para a pesquisa do fenômeno religioso, desde a segunda metade do século XX. 

Uma discussão importante surgida entre os estudiosos da religião diz respeito à chamada perspectiva com que o observador e/ou investigador do fenômeno religioso estuda a religião. A questão é sobre o caráter e a relação entre duas perspectivas de estudo da religião, a perspectiva interior, confessional, teológica, do crente, e a perspectiva exterior, científica, objetiva. A perspectiva exterior se caracteriza por uma observação comparativa e histórica dos fenômenos religiosos; busca uma posição imparcial que possibilite a comparação sistemática de várias religiões nos seus contextos sociais e históricos.

Essa perspectiva, portanto, parte do pressuposto de que o estudo público das religiões não pode prescindir de suas origens culturais e de sua relação com a sociedade.  Na segunda metade do século XX, foi o antropólogo Clifford Geertz quem contribuiu para uma das grandes viragens da história do estudo científico das religiões, em sua obra Religion as a Cultural System, publicada em 1966, onde, quase em oposição à forma substancial e funcional, desenvolveu um modelo cultural-simbólico no qual é defendida a possibilidade de uma religião estabelecer um sentido específico para formas diferentes de existência ou moldar uma ordem cósmica. 

A principal questão seria, então, de que forma podem símbolos revelar-nos as maneiras como os indivíduos de uma sociedade pensam, interagem ou constroem as suas mundividências. Não obstante sua influência, especialmente porque parece possibilitar entender outras formas culturais sem a influência da própria semântica do investigador, aspectos do modelo de Geertz são criticados. Há especialmente a denúncia de que tal visão seja demasiadamente eurocêntrica. 

Quanto ao terminológico “religião”, não obstante estudiosos como o psicólogo americano James H. Leuba tenham enumerado centenas de definições para o termo, a ponto de se tornar até mesmo impossível mensurar todas as definições existentes, a tendência atual na Ciência das Religiões é a de evitar qualquer tentativa de definição de seu objeto de pesquisa, não obstante a carência de uma definição do objeto de pesquisa seja uma das questões mais prementes da referida ciência hoje. Essa problemática parece ter sido causada pelas definições universais do eurocentrismo, por um lado, e pelo fato histórico de que o estudo científico das religiões é mais recente do que o uso popular do termo “religião” (Arnal, 2000: 21). Não obstante a religião não possa ser definida e/ou não exista enquanto definição, o termo ocidental “religião” continua sendo um conceito indispensável para o estudo dos fenômenos religiosos, como declara Smith (Smith, 1998: 281-182).  

Toda essa problemática sobre o objeto e sujeito do estudo das religiões também nos conduz para a conseqüente negação do caráter monolítico da Ciência das Religiões. A Ciência das Religiões não possui nem um objeto definido de pesquisa, nem uma metodologia específica para o estudo do mesmo. Em outras palavras, ninguém sabe exatamente o que é uma religião e nem como estudá-la adequadamente. 

Ademais, e conseqüentemente, a religião é um fenômeno que também pode e é estudado por outras disciplinas científicas tais como a história, a psicologia, a lingüística e a filologia.  Portanto, a indefinição quanto ao objeto e a inexistência de uma metodologia adequada faz com que a Ciência das Religiões seja outra coisa, menos uma ciência monolítica

Não obstante, isso também se constitui numa grande vantagem inter e multidisciplinar para a Ciência das Religiões. Ou seja, a indefinição de um objeto e a ausência de um método adequado abre para a contribuição de várias outras disciplinas e referenciais teóricos para o estudo das religiões, com suas próprias metodologias e perspectivas de estudo.  

Sobre o estado do estudo científico das Religiões hoje é preciso fazer referência ao paradoxo em relação à presença e/ou ausência da religião na Europa. Existe a interminável discussão sobre a secularização e modernização do continente europeu, o que pressuporia a exclusão da religião desse ambiente continental. Tal pareceria ter encontrado confirmação no aparente declínio das práticas religiosas, como se pode ver na ausência dos fieis dos edifícios religiosos institucionalizados. O estudo das religiões, então, seria apenas um luxo acadêmico ou anacronismo científico sem qualquer relevância para a sociedade moderna.

Essas conclusões, todavia, têm se mostrado precipitadas. Pois, não obstante, os jornais diários e/ou a televisão trata regularmente, na Europa, sobre fenômenos religiosos, sobre a multiplicação galopante de pequenos grupos religiosos, sem falar nas muitas lojas de produtos para todas as predileções esotéricas e o apetite popular intenso por livros de conteúdo místico e/ou semi-religioso. O grande desafio da Ciência das religiões, assim, consiste na reação adequada a essas transformações na manifestação do religioso e no pensamento religioso do indivíduo.





[1] Resumos e/ou recortes a partir de DIX, Steffen. O que significa o estudo das religiões: uma ciência monolítica ou interdisciplinar? Lisboa, 2007.

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