Limitações, Alcances e Novos Desafios:
Natureza
e Avanços do Estudo Científico das Religiões[1]
Os
oráculos secularistas que previam o desaparecimento das religiões não se
cumpriram. Antes pelo contrário, a religião nunca encontrou tanto lugar nas
sociedades humanas como no século XXI. O fato é que a religião não foi diluída
pelo amadurecimento racional dos homens, antes, por esse e outros motivos, ela
se transformou,se desenvolveu,mudou, se adequando, assim, ao novo mundo e às
novas realidades da existência humana.
Como se constatou, a religião nunca esteve
ausente da presença humana, o mundo nunca vivenciou uma experiência de
“desencantamento”. Ao mesmo tempo que essas descobertas surpreenderam os secularistas, também voltaram a atenção
de estudiosos e especialistas para a pesquisa do fenômeno religioso, desde a
segunda metade do século XX.
Uma discussão importante surgida entre os
estudiosos da religião diz respeito à chamada perspectiva com que o observador e/ou investigador do fenômeno
religioso estuda a religião. A questão é sobre o caráter e a relação entre duas
perspectivas de estudo da religião, a
perspectiva interior, confessional,
teológica, do crente, e a perspectiva
exterior, científica, objetiva. A perspectiva
exterior se caracteriza por uma observação comparativa e histórica dos
fenômenos religiosos; busca uma posição
imparcial que possibilite a comparação sistemática de várias religiões nos
seus contextos sociais e históricos.
Essa perspectiva, portanto, parte do
pressuposto de que o estudo público das religiões não pode prescindir de suas
origens culturais e de sua relação com a sociedade. Na segunda metade do século XX, foi o
antropólogo Clifford Geertz quem contribuiu para uma das grandes viragens da
história do estudo científico das religiões, em sua obra Religion as a
Cultural System, publicada em 1966, onde, quase em oposição à
forma substancial e funcional, desenvolveu um modelo cultural-simbólico no qual
é defendida a possibilidade de uma religião estabelecer um sentido específico
para formas diferentes de existência ou moldar uma ordem cósmica.
A principal
questão seria, então, de que forma podem símbolos revelar-nos as maneiras como
os indivíduos de uma sociedade pensam, interagem ou constroem as suas
mundividências. Não obstante sua influência, especialmente porque parece
possibilitar entender outras formas culturais sem a influência da própria
semântica do investigador, aspectos do modelo de Geertz são criticados. Há
especialmente a denúncia de que tal visão seja demasiadamente eurocêntrica.
Quanto
ao terminológico “religião”, não obstante estudiosos como o psicólogo
americano James H. Leuba tenham enumerado centenas de definições para o termo,
a ponto de se tornar até mesmo impossível mensurar todas as definições
existentes, a tendência atual na Ciência
das Religiões é a de evitar qualquer tentativa de definição de seu objeto
de pesquisa, não obstante a carência de uma definição do objeto de pesquisa
seja uma das questões mais prementes da referida ciência hoje. Essa
problemática parece ter sido causada pelas definições universais do
eurocentrismo, por um lado, e pelo fato histórico de que o estudo científico
das religiões é mais recente do que o uso popular do termo “religião” (Arnal,
2000: 21). Não obstante a religião
não possa ser definida e/ou não exista enquanto definição, o termo ocidental
“religião” continua sendo um conceito indispensável para o estudo dos fenômenos
religiosos, como declara Smith (Smith, 1998: 281-182).
Toda essa problemática sobre o objeto e sujeito do estudo das religiões também nos conduz para a
conseqüente negação do caráter monolítico
da Ciência das Religiões. A Ciência das Religiões não possui nem um
objeto definido de pesquisa, nem uma metodologia específica para o estudo do
mesmo. Em outras palavras, ninguém sabe exatamente o que é uma religião e nem
como estudá-la adequadamente.
Ademais, e conseqüentemente, a religião é um
fenômeno que também pode e é estudado por outras disciplinas científicas tais
como a história, a psicologia, a lingüística e a filologia. Portanto, a indefinição quanto ao objeto e a
inexistência de uma metodologia adequada faz com que a Ciência das Religiões seja outra coisa, menos uma ciência monolítica.
Não obstante, isso também se
constitui numa grande vantagem inter
e multidisciplinar para a Ciência das Religiões. Ou seja, a
indefinição de um objeto e a ausência de um método adequado abre para a
contribuição de várias outras disciplinas e referenciais teóricos para o estudo
das religiões, com suas próprias metodologias e perspectivas de estudo.
Sobre o estado do estudo científico das
Religiões hoje é preciso fazer referência ao paradoxo em relação à presença e/ou ausência da religião na Europa.
Existe a interminável discussão sobre a secularização
e modernização do continente europeu,
o que pressuporia a exclusão da religião desse ambiente continental. Tal pareceria
ter encontrado confirmação no aparente declínio das práticas religiosas, como
se pode ver na ausência dos fieis dos edifícios religiosos institucionalizados.
O estudo das religiões, então, seria apenas um luxo acadêmico ou anacronismo
científico sem qualquer relevância para a sociedade moderna.
Essas conclusões,
todavia, têm se mostrado precipitadas. Pois, não obstante, os jornais diários
e/ou a televisão trata regularmente, na Europa, sobre fenômenos religiosos,
sobre a multiplicação galopante de pequenos grupos religiosos, sem falar nas
muitas lojas de produtos para todas as predileções esotéricas e o apetite
popular intenso por livros de conteúdo místico e/ou semi-religioso. O grande
desafio da Ciência das religiões, assim, consiste na reação adequada a essas
transformações na manifestação do religioso e no pensamento religioso do
indivíduo.
[1]
Resumos e/ou recortes a partir de DIX, Steffen. O que significa o estudo das religiões: uma ciência monolítica ou
interdisciplinar? Lisboa, 2007.
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