OTTO,Rudolf.O Sagrado: um estudo do elemento
não-racional na ideia do divino e a sua relação com o racional.[Tradução
Prócoro Velasquez Filho]. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista,1985.
Pgs.7-54.
O teólogo, historiador (das
religiões) e filósofo Rudolf Otto, em sua obra revolucionária, publicada,
originalmente, em 1917, o Sagrado,
nos desvela a inovadora perspectiva da ideia do divino, denominada por ele de numinoso (de numen deus), como experiência religiosa não-racional (ou
irracional), e/ou não esgotável racionalmente, e seus aspectos.
Em sua Introdução, Otto começa por
demonstrar a racionalidade do teísmo (cristão) no que tange à sua formulação e
expressão por meio de conceitos, noções e predicados racionais, os quais tornam
o divino tanto acessível ao pensamento e à análise, quanto suscetível à
definição. Nas palavras de Otto, “Toda concepção teísta, e de maneira especial
a concepção cristã de Deus, tem como característica essencial a compreensão
clara da divindade e a sua definição através de predicados [...]” (OTTO,1985,P.7).
Diante disso, Otto ressalta a superioridade do Cristianismo em relação às
demais religiões por sua racionalidade na expressão do divino e/ou sagrado por
meio de noções. Em seus termos, “o cristianismo usa noções [...] Esta é uma das
características essenciais que marcam a superioridade do cristianismo sobre
outras religiões.” (OTTO,1985,P.7).
O autor adverte, malgrado, que tal
racionalidade da experiência religiosa, em termos de noções, conceitos e
predicados racionais, e sintéticos, não a pode esgotar, pois há algo de
não-racional (ou irracional) na religião ou no sagrado. “Não se pode pensar que
os predicados racionais que nós indicamos, e outros mais, esgotariam a essência
da divindade” (OTTO,1985,P.8). “ A religião não se esgota em seus enunciados
racionais” (OTTO,1985,P.1). A linguagem se refina, mas não pode esgotar o
Sagrado: “Toda linguagem [...] tem por objetivo transmitir noções e quanto mais
essas noções forem claras e inequívocas, melhor será a linguagem”
(OTTO,1985,P.8).
Caso não houvesse, no entanto, alguma
racionalidade na ideia do divino ou na experiência religiosa, quanto à sua
apreensão, a mesma seria incompreensível, nada podendo ser dito sobre ela,
sendo, assim, incognoscível (OTTO,1985,P.8). Portanto, a religião tem algo de
racional, mas não se esgota racionalmente e/ou não se reduz ao racional,
conservando elementos não-racionais (OTTO,1985,Pgs.7-9). A religião é, assim,
concomitantemente, sempre racional e não-racional (irracional).
Na sequência, Otto concebe o
racionalismo, oposto radicalmente à religião, nesse sentido, como o
reducionismo racional e/ou esgotabilidade racional da religião ou ideia do
divino. Em outras palavras, a oposição entre a religião e o racionalismo se dá
quando esse último pensa poder esgotar racionalmente a primeira e/ou reduzi-la
ao racional (OTTO,1985,Pgs.8-9). O elemento racional não sobrepuja, nem exclui
o elemento não-racional na ideia de Deus (OTTO,1985,P.8). “[...] a religião não
se esgota em anunciados racionais, e em colocar em evidência a relação de seus
elementos de tal sorte que ela tome consciência de si mesma” (OTTO,1985,P.9). Conceber, então, que a religião pode ser
esgotada racionalmente, por seus anunciados racionais, predicados racionais,
noções e conceitos, ignorando seu caráter não-racional, é puro e verdadeiro
racionalismo (OTTO,1985,P.8-9).O autor ressalta, outrossim, que a perspectiva
meramente racional (ista) de Deus na própria ortodoxia (cristã) ignora o
caráter não-racional da religião, expresso na experiência religiosa (dos
místicos, por exemplo) e que, dessa forma, a ortodoxia se mostra racionalista,
não salvaguardando “o elemento não-racional de seu objeto” (OTTO,1985,P.9), a
saber, não mantendo “viva a experiência religiosa”.
Para Otto, o Sagrado é o numinoso não-racional, nem
racionalizantemente esgotável, da experiência religiosa, em seus aspectos diversos
(OTTO,1985,Ps.11-15). O numinoso diz
respeito ao elemento vivo da religião ou experiência religiosa, abstração,
outrossim, do elemento moral e do elemento racional (OTTO,1985,P.12).
Concebe-se como sentimento de dependência, porém distinto da concepção dessa
mesma dependência por Schleiermacher (OTTO,1985,Ps.13-14). O Misterium Tremendum é o aspecto do numinoso que, por sua vez, se desdobra
no tremor místico, no majestas ou superioridade absoluta do
poder numinoso e na energia desse
último, a denominada orgé que capacita e incita a vida religiosa (OTTO,1985,Ps.17-28).
O mistério do numinoso é o fenômeno
não-racional do mesmo que, paradoxalmente, nos aterroriza e nos afasta por sua
incompreensão soberana, e alteridade absoluta, mas que também nos atrai e nos
aproxima (OTTO,1985,Ps.29-45). Tenta-se compreender o tremendo e misterioso numinoso através da categoria do
“sublime” e esquematizações analógicas (OTTO,1985,Ps.47-52). “O elemento
numinoso, não-racional, esquematizado por noções racionais, dão-nos a categoria
complexa do sagrado [...]” (OTTO,1985,Pgs.50-51).
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