sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O Sagrado em Rudolf Otto (1869-1937)

OTTO,Rudolf.O Sagrado: um estudo do elemento não-racional na ideia do divino e a sua relação com o racional.[Tradução Prócoro Velasquez Filho]. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista,1985. Pgs.7-54.

          O teólogo, historiador (das religiões) e filósofo Rudolf Otto, em sua obra revolucionária, publicada, originalmente, em 1917, o Sagrado, nos desvela a inovadora perspectiva da ideia do divino, denominada por ele de numinoso (de numen deus), como experiência religiosa não-racional (ou irracional), e/ou não esgotável racionalmente, e seus aspectos.

          Em sua Introdução, Otto começa por demonstrar a racionalidade do teísmo (cristão) no que tange à sua formulação e expressão por meio de conceitos, noções e predicados racionais, os quais tornam o divino tanto acessível ao pensamento e à análise, quanto suscetível à definição. Nas palavras de Otto, “Toda concepção teísta, e de maneira especial a concepção cristã de Deus, tem como característica essencial a compreensão clara da divindade e a sua definição através de predicados [...]” (OTTO,1985,P.7). Diante disso, Otto ressalta a superioridade do Cristianismo em relação às demais religiões por sua racionalidade na expressão do divino e/ou sagrado por meio de noções. Em seus termos, “o cristianismo usa noções [...] Esta é uma das características essenciais que marcam a superioridade do cristianismo sobre outras religiões.” (OTTO,1985,P.7).

          O autor adverte, malgrado, que tal racionalidade da experiência religiosa, em termos de noções, conceitos e predicados racionais, e sintéticos, não a pode esgotar, pois há algo de não-racional (ou irracional) na religião ou no sagrado. “Não se pode pensar que os predicados racionais que nós indicamos, e outros mais, esgotariam a essência da divindade” (OTTO,1985,P.8). “ A religião não se esgota em seus enunciados racionais” (OTTO,1985,P.1). A linguagem se refina, mas não pode esgotar o Sagrado: “Toda linguagem [...] tem por objetivo transmitir noções e quanto mais essas noções forem claras e inequívocas, melhor será a linguagem” (OTTO,1985,P.8).

          Caso não houvesse, no entanto, alguma racionalidade na ideia do divino ou na experiência religiosa, quanto à sua apreensão, a mesma seria incompreensível, nada podendo ser dito sobre ela, sendo, assim, incognoscível (OTTO,1985,P.8). Portanto, a religião tem algo de racional, mas não se esgota racionalmente e/ou não se reduz ao racional, conservando elementos não-racionais (OTTO,1985,Pgs.7-9). A religião é, assim, concomitantemente, sempre racional e não-racional (irracional).

          Na sequência, Otto concebe o racionalismo, oposto radicalmente à religião, nesse sentido, como o reducionismo racional e/ou esgotabilidade racional da religião ou ideia do divino. Em outras palavras, a oposição entre a religião e o racionalismo se dá quando esse último pensa poder esgotar racionalmente a primeira e/ou reduzi-la ao racional (OTTO,1985,Pgs.8-9). O elemento racional não sobrepuja, nem exclui o elemento não-racional na ideia de Deus (OTTO,1985,P.8). “[...] a religião não se esgota em anunciados racionais, e em colocar em evidência a relação de seus elementos de tal sorte que ela tome consciência de si mesma” (OTTO,1985,P.9).  Conceber, então, que a religião pode ser esgotada racionalmente, por seus anunciados racionais, predicados racionais, noções e conceitos, ignorando seu caráter não-racional, é puro e verdadeiro racionalismo (OTTO,1985,P.8-9).O autor ressalta, outrossim, que a perspectiva meramente racional (ista) de Deus na própria ortodoxia (cristã) ignora o caráter não-racional da religião, expresso na experiência religiosa (dos místicos, por exemplo) e que, dessa forma, a ortodoxia se mostra racionalista, não salvaguardando “o elemento não-racional de seu objeto” (OTTO,1985,P.9), a saber, não mantendo “viva a experiência religiosa”.


          Para Otto, o Sagrado é o numinoso não-racional, nem racionalizantemente esgotável, da experiência religiosa, em seus aspectos diversos (OTTO,1985,Ps.11-15). O numinoso diz respeito ao elemento vivo da religião ou experiência religiosa, abstração, outrossim, do elemento moral e do elemento racional (OTTO,1985,P.12). Concebe-se como sentimento de dependência, porém distinto da concepção dessa mesma dependência por Schleiermacher (OTTO,1985,Ps.13-14). O Misterium Tremendum é o aspecto do numinoso que, por sua vez, se desdobra no tremor místico, no majestas ou superioridade absoluta do poder numinoso e na energia desse último, a denominada orgé  que capacita e incita a vida religiosa (OTTO,1985,Ps.17-28). O mistério do numinoso é o fenômeno não-racional do mesmo que, paradoxalmente, nos aterroriza e nos afasta por sua incompreensão soberana, e alteridade absoluta, mas que também nos atrai e nos aproxima (OTTO,1985,Ps.29-45). Tenta-se compreender o tremendo e misterioso numinoso através da categoria do “sublime” e esquematizações analógicas (OTTO,1985,Ps.47-52). “O elemento numinoso, não-racional, esquematizado por noções racionais, dão-nos a categoria complexa do sagrado [...]” (OTTO,1985,Pgs.50-51).

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